FOLHA CULTURAL PATAXÓ

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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A mulher de hoje em dia




Traição: Enganar perfidamente, atraiçoar/ Faltar ao cumprimento de/ Revelar/ Deformar, não traduzir com fidelidade/Não ajudar, abandonar/Denunciar-se por imprudência: comprometer-se; desnudar o pensamento.


A lua estava deslumbrantemente linda naquela madrugada de segunda para terça, quando eu e meu amigo, o poeta e sociólogo Henrique Souza saímos do Sport Club Iguaçu na festa de aniversário do cantor e compositor Daniel Guerra e caminhamos até o centro de Nova Iguaçu. Quando chegamos na Otávio Tarquínio, Henrique tomou seu rumo e eu segui o meu olhando para a lua cheia, imponente, inteira, poderosa, resplandecente; luzindo na escuridão enigmática do firmamento. Hipnotizado como eu estava por aquela lua, se viesse um ladrão me roubar eu nem me daria à mínima conta disso. Mas a baixada, graças à Deus, ainda é um pedacinho de Rio de Janeiro onde ainda se pode respirar um mínimo de liberdade ingênua no caos urbano do cotidiano.

Quando cheguei ao ponto para pegar a kombi que me levaria à Belford Roxo, vi parado ali um lindo casal de jovens negros abraçados se beijando apaixonadamente. Seus braços, lábios e coxas se articulavam e interagiam de forma tão harmoniosa que pareciam querer fundir-los em um só como numa experimentação alquímica. Para uma madrugada sedutoramente enluarada como aquela, não poderia existir cena que viesse a calhar melhor.

- Que horas você vai ligar pro meu celular? – Perguntou ela num frenesi.

- Lá pra de tarde! – Respondeu ele num sorriso sem-vergonha de sátiro do bosque.

Enfim a kombi chegou. Como o casal demorava a se entreter no sensual entrelace, tomei a liberdade de ser o primeiro a entrar. Alguns sedentos e calientes minutos de pegação depois, a moça se despediu do rapaz entrou na kombi e sentou-se completamente relaxada na poltrona a meu lado.

- Ai, meu Deus! Quando eu chegar em casa meu marido vai me matar! – Disse ela num sorriso puro de menina sapeca.

Eis que surgiu em mim um sutil choque.

- Ah! Você diz à ele que estava fazendo serão até mais tarde! – Respondi cínico.

- Mas eu não trabalho não, moço! – Respondeu-me num ar escorregadio. – Tô na rua desde às 18:00. Tô aqui só imaginando a cara dele quando chegou em casa e viu as crianças sozinhas sem eu lá.

Quase que eu gritei: ”sua sem-vergonha, vagabunda. Você não tem vergonha na cara, sua cachorra?”.

- Hoje em dia o homem aceita tudo de uma mulher bonita como você! – Acabei falando amigavelmente.

- Que nada! Quando eu chegar lá em casa vou encontrar minhas coisas na calçada. Aliás! As minhas não! As dele! O quintal é meu!

Quando a kombi chegou no bairro Heliópolis ela pediu para o motorista parar no próximo ponto. Chegando lá.

- Tchau, moço!

-Tchau, gata!

E ela desembarcou, atravessou a rua e seguiu adiante levando consigo, como um anjo que leva sua auréola, aquela bela, rechonchuda e iluminadíssima lua cheia daquela arrebatadora madrugada.


Marcio Rufino
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Um comentário:

  1. O tempo passa, os costumes mudam, mas se olharmos todos os tempos, na verdade não muda muito a natureza das pessoas, tudo que existe hoje, sempre existiu e sempre existirá, apenas hoje é mostrado mais às claras, justamente pelos costumes, hoje existe mais liberdade que ontem e talvez mais ou menos que amanhã, isso dependerá justamente dos costumes.

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