FOLHA CULTURAL PATAXÓ

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CORPO MORTO (Arnoldo Pimentel)


                                                                                    CORPO MORTO

Sente sombras no quarto
Sente vultos do passado
Paredes balançando
Tempo se esgotando

Sente um aperto no peito
Alucinações abrindo a janela
Sente todo arrependimento
Todo sofrimento

Sente gotas de suor descendo pelo rosto
Rosto pálido
Quadro feito por estar só
Garganta apertada pelo nó

Sente asas no seu corpo
Sente felicidade
Liberdade

E sai voando pela janela
Livre e solto
Cai no passeio já morto

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

CANÇÕES RECOLHIDAS (Arnoldo Pimentel)


CANÇÕES RECOLHIDAS


Meus olhos já foram vendados
Tenho canções escritas
Que foram recolhidas
E escondidas

Entre medos sob a chuva
Que molhou o telhado
Que dá para o quintal
Que tem que estar sempre desabitado

Simples vida que caminha
Pelos olhares da cidade
Versos que nascem
Do desejo de liberdade

Sonhos algemados
Pelo odor da intranqüilidade
Pela intolerância desmedida
Que castrou nossa mocidade

Parece um simples caminhar
Um simples sorriso
Um olhar para o lado
Mas sempre está no mesmo lugar

Parece que as pernas não se movem
O rosto não é tocado pela chuva
É apenas um mesmo lugar
Que o poder te obriga a ficar

Um grito no ouvido
O som do estampido
Que ecoa no vácuo
Do feto que ainda vai acordar

Virando o rosto pro lado
Para não olhar
O medo que vai explodir
No mesmo lugar

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ser reescrit@

Alguns poetas (poetisas) – morrem de desgosto; diante de tanta parcimônia.
Outros se entorpecem, mergulham no absurdo e viram casulo. Cortam-lhe às asas e dilaceram cada sonho.
Querem defini-lo por cada dia meio vivido.
Sábios aqueles que riem e agem profundamente conscientes, mesmo com trabalhos que moem nossos âmagos.
A constante saga, de viver em espaços, em que a tirania de viver a vida sem sentido, realça os brancos persistentes e existentes, nas vidas dos que engolem, quando há o pão e quando não viram indigentes, mesmo vivos.

Fazedoras de filhos fracassadas




Kátia estava triste a passar roupa. Pensava na vida como que pisasse em cacos de vidro e fosse obrigada a engolir a seco o choro de dor. Sua fome de vida estava lhe trazendo conseqüências desagradáveis, dolorosas. Mãe de três filhos, cada um de um relacionamento diferente, e já grávida do quarto - após várias aventuras amorosas - voltava a viver sob as hospitalidades da amiga Noêmia que já havia a acolhido antes na gravidez do primeiro filho em sua casa na rua Aguapeí, no bairro Piam, em Belford Roxo. Kátia tinha sido sempre muito afoita em tudo. Muitos homens entre adolescentes, rapazes e até mesmo alguns senhores casados de todas as cores, idade, peso e altura já tinham sentido na pele do corpo inteiro sua ânsia por prazer intenso em fugidas, pegações, ficadas, noitadas e orgias entre uma batida de funk e uma roda de pagode; entre um copo de cerveja e um cálice de vinho; entre um e outro tapinha num cigarrinho de maconha. Mas como tudo tem seu preço quando o cuidado não faz parte da rotina de um ser-humano, ela agora estava ali... Sem trabalho, sem homem. Respirando o que não queria; comendo o que não queria; ouvindo o que não queria.



Noêmia teve que fugir de casa aos dezessete anos por causa da irmã mais velha que queria rasgar seu rosto com gilete, invejosa de sua beleza. Mas conheceu um homem bom e remediado que se casou com ela e lhe deu um nome, um lar e uma filha. Só que em seu casamento faltou o amor e uma pitada de paixão e com isso Noêmia numa bela tarde se descobriu traída pelo marido. Revoltada, se separou pondo-o para fora de casa. Então passou a aturar cobranças não só dos credores - já que o ex não lhe ajudava em um centavo - mas também do atual namorado que exigia uma relação mais séria e da filha que, já adolescente, crescia exigindo a presença do pai dentro de casa. Tudo isso além de criar o filho mais velho de Kátia.



Kátia e Noêmia agora estavam ali, passando roupa naquela casa velha; precisando de uma reforma. Com o telhado quase caindo em suas cabeças. Ouve-se um barulho de portão se abrindo; passos pela varanda. A porta se abre e naquela sala quente entra Verônica, comadre de Noêmia, acompanhada de seu jovem filho Marcelo, afilhado de Noêmia. O papo corre solto e animado até que Verônica fala da ex-cunhada Edilene. Outrora, Noêmia havia tomado conta de Miltinho, filho de Edilene, sobrinho de Verônica.



- Hum! Essa aí se deu bem, minha filha. - Dizia Verônica com sarcasmo e um pinguinho de inveja. Tá com seis filhos. Cada um de um homem diferente. Botou todos eles na justiça e hoje recebe pensão dos seis. Agora tá morando num casarão em Miguel Couto. A mordomia da nega é tanta que os filhos vão levar o café da manhã pra ela na cama. E você pensa que é café e pão com manteiga? Nada disso! É suco, frutas, queijo, presunto, geléia... Tudo na bandeija.



Ao ouvir aquilo, Noêmia deu um tapa no braço de Kátia que da sala a outra quase foi parar na cozinha.



- Tá vendo Kátia? - Perguntava a anfitriã numa fúria intolerante. - Tá vendo, sua fazedora de filho fracassada? Mulher que quer ser piranha tem que ser piranha esperta. Piranha burra fica é pastando pela casa dos outros igual você. Mulher burra tem mais é que tomar no c... pra deixar de ter o grelo no lugar do cérebro.



Marcelo caiu na gargalhada dada a teatralidade histrionicamente humilhadora do esbravejar da madrinha. Constrangida, Verônica começou a beliscar discretamente o filho para que parasse com as risadas.



- Deixa ele rir, Verônica! - Determinou Noêmia ao notar o embaraço da comadre. - Pode rir, Marcelo. Você está na minha casa.



Ao perceber a lágrima invisível que rolava no rosto de Kátia, Marcelo cessou o riso e, sentindo-se culpado, quase despencou da gargalhada escrachadamente histérica para o choro desesperadoramente comovido.



- Bom! Eu já vou indo. - Disse Verônica levantando e puxando Marcelo pelo braço. - Foi só uma visitinha rápida.

Ao sair pelo portão, Verônica assumiu uma aura de tristeza e indignação repreensiva.

- Noêmia não deveria tratar essa moça dessa forma. - Disse ao filho num monólogo inconsciente. - Ela se esquece de tudo que viveu. Ela se esquece que tem uma filha mulher dentro de casa.

Verônica andava pela rua com o olhar parado; misteriosamente distante como o olhar sedutoramente longinquo de uma mulher do Oriente. Marcelo, olhando-a parecia assistir ao filme invisível que passava diante das vistas austeramente melancólicas da mãe através de suas lembranças. Quando ela ajudou Noêmia a fugir da irmã. Neste filme a protagonista era a própria Verônica e as cenas eram dolorosamente cults. Seu pai proibindo-a de continuar seus estudos, ainda menina, para ajudar a mãe a cuidar da casa e tomar conta dos irmãos menores, já que ela era a mais velha de todos. As madrugadas em claro tendo que embalar o sono dos irmãos e tendo que esquentar o leite já que a mãe tinha que atender aos apelos grosseiramente amorosos do pai na fabricação de mais irmãozinhos. Os gritos dos irmãos e o roncar da cama dos pais eram a trilha sonora da infância daquela mulher; somado ao medo de dormir no meio da tarefa e ser despertada por uma surra de moer os ossos.

Na pausa para o intervalo, em frente à banca de jornal, lê na capa de revista de celebridades sobre a famosa socialite da zona sul que acordou numa luxuosíssima cobertura em París ao som de uma orquestra de violinos na manhã seguinte à noite em que disse ao marido, um poderoso empresário, que estava grávida. Isso remeteu-a há alguns anos atrás, num quartinho imundo e abafado do bairro Areia Branca, quando o até então namorado Joaquim arremessou um punhado de dinheiro em sua face para que fizesse o aborto ao saber de sua gravidez; e ela uma vez desobedecendo-o e tendo o filho, tendo que abandonar o emprego de enfermeira dois anos depois para se dedicar integralmente ao pequeno Marcelo, mediante as ameaças do já marido Joaquim de abandonar o lar.

A capa da revista remeteu-a também à casa dos pais de onde foi expulsa aos bofetões pelo pai que não queria uma filha mãe solteira dentro de casa. Ela tendo que se abrigar na casa da amiga Agripina, também grávida, e que mais tarde seria a mãe de leite de Marcelo. É. Se Eva soubesse que a conta que teria que pagar por ter dado o maldito fruto para Adão comer fosse tão alta, teria ela comido a própria serpente assada.

Quando passou em frente à padaria lembrou que tinha que comprar pão. Quando chegou no guichê uma voz melancolicamente doce chegou em seu ouvido como o canto de um anjo:

- Moça, compra uns doce pra me ajudá a dá de comer pros meus fio. É baratinho!!!

Uma bela, mas suja, esfarrapada e maltrapilha jovem negra lhe oferecia uma caixa de bananadas. Duas crianças pequenas e um bebê no seu colo choravam ensurdecedoramente de fome. Os olhos da jovem e das crianças inchados pela violência, desamparo e desesperança eram vários punhais pontiagudos cravados no peito de Verônica.


Marcio Rufino
Todos os dieitos reservados

Crédito de imagem: site Baixaki

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Nesse instante de adeus
Despeço-me das sutilezas
E futilidades vividas
Nesse período de férias
O Rio recarregou minhas
frágeis baterias
Com os variados pôr-do-sol
Em Ipanema,Leblom, Copa
E até na Vista Chinesa.

O Rio me revelou
A Baixada de vários poetas
Entrando e saindo de blogs
Me ritualizando com beltranos
Siclanos e fulanas
Misturando-me ao pó
E a fumaça de um índio pataxó
Me lembrando que a vida real
É muito simbólica
E por isso me torna mais profana.

Duda Aurora

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Meu coração
Não está partido
Meu coração
Partiu.

Jorge Medeiros

Refazer.

Alguns poetas (poetisas) – morrem de desgosto; diante de tanta parcimônia.
Outros se entorpecem, mergulham no absurdo e viram casulo. Cortam-lhe às asas e dilaceram cada sonho.
Querem defini-lo por cada dia meio vivido.
Sábios aqueles que riem e agem profundamente conscientes, mesmo com trabalhos que moem nossos âmagos.
A constante saga, de viver em espaços, em que a tirania de viver a vida sem sentido, realça os brancos persistentes e existentes, nas vidas dos que engolem, quando há o pão e quando não viram indigentes, mesmo vivos.