FOLHA CULTURAL PATAXÓ

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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

SINOS (Arnoldo Pimentel)


 SINOS
 Autor: Arnoldo Pimentel

São apenas os sinos que ouço
Enquanto caminho pela rua de baixo
Sempre os ouço pelas seis da manhã
No começo de um novo dia igual aos outros

É apenas uma igreja onde os sinos badalam
Onde todos se calam
Na tentativa de se encontrar
De encontrar

Nessas horas queria estar próximo ao mar
Mar de gelo
Mar de sal

Sentir o tom avermelhado
Do arrebol
Tocar de leve meu rosto
E colorir a areia da praia

Praia beijada pelas ondas
Abraçada pelo calor
Calor do fim da tarde sob o sol

Algum lugar onde eu pudesse apenas caminhar
Ver o vôo livre do condor
Não importando se ouço sinos
Ou onde estou

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Gêmeas Amoroso-Vitelinas





Univitelinos – adj. Diz-se de gêmeos verdadeiros, gerados de um só ovo.


Maria Isabel ficou muito deprimida quando soube que não podia ser mãe. Seu grande sonho era ser mãe de duas gêmeas. Depois de semanas e semanas de muitas lágrimas e depressões, cansou de tanta tristeza e decidiu com o marido:


- Já que não posso parir minhas gêmeas com o ventre, vou parir com o coração!


No dia seguinte foi de braço dado com o marido visitar o orfanato mais próximo de casa. Duas recém-nascidas, cada uma de uma mãe biológica diferente, haviam acabado de chegar naquele mesmo momento. Maria Isabel quis ir vê-las. Uma era negrinha como a noite estrelada e os olhos pretinhos como dois pedacinhos de carvão. A outra era loirinha da pele alva e dos olhinhos azuis como o céu. Maria Isabel quando as viu pela primeira vez, percebeu uma coisa que ninguém havia notado nos bebês. As duas tinham o mesmo par de olhos arregalados, curiosos. Os mesmos olhos que apesar de serem de cores diferentes tinham o mesmo abuso, a mesma ousadia, a mesma má-criação de quem quer subir em todos os telhados e se infiltrar em todos os buracos possíveis. Nas duas boquinhas o mesmo sorriso livre de bacante. A mesma boquinha de Eva sem culpa. De Eva que além de comer o fruto proibido, ainda lança uma gostosa e inocente careta para o divino.


Diante daquelas duas criaturinhas, o coração de Maria Isabel se enterneceu. Ela sentiu uma sensação amorosamente estranha. Seus olhos em lágrimas denunciavam a chegada de duas velhas amigas, duas irmãs que uma vez nunca se vendo, já se sentiam invisivelmente. Maria Isabel sentia uma dor interior absurda. A dor imensa dos que cuja única condição da vida é amar incondicionalmente até o que se pensa não existir. Maria Isabel havia acabado de parir suas gêmeas com a alma.


Os quatro bracinhos e as quatro perninhas profanas rebolavam fogosas e excitadas no ar e abriam-se imensas para receber o amor daquela mulher. Um colorido se fez na vida de Maria Isabel que cuidou daquelas duas como cuidava do menino Jesus quando era menina; e ela fazia de conta que era a Nossa Senhora em época de natal, roubando a imagem do santinho da árvore para brincar com ele.


E esse mesmo amor transbordou entre as duas e passava de uma para outra como as águas de um rio entre duas pedras. Assim, Andréia e Adriana cresceram. Unidas em sentimento, amizade e carinho, mas também em dor, sofrimento e desilusão. No ato de comerem juntas, de estudarem juntas, de brincarem juntas. De uma defender a outra nas brigas; de dividirem as mesmas alegrias. O primeiro namorado; O sem vergonha do Carlinhos que queria namorar as duas ao mesmo tempo e das duas acabou apanhando, pois essas duas dividiam também os ódios. A dor de ter enterrado Maria Isabel, vencida pelo câncer. Os casamentos, os filhos e elas sempre juntas; até ficarem velhinhas. Eram mesmo gêmeas amoroso-vitelinas, pois foram geradas pelo mesmo ovo do coração.

Marcio Rufino
Todos os direitos reservados

domingo, 26 de dezembro de 2010

BEIJA FLOR (Haikai Silviah Carvalho)


BEIJA FLOR
Autora: Silviah Carvalho

Há um beija-flor e uma flor
Você despercebido
Passou e não notou

sábado, 25 de dezembro de 2010

Poesia Compartilhada, Eu e Você

Poesia Compartilhada, Eu e Você

Se teus olhos se escondem de mim,
fecho os olhos e te encontro!
Pensamentos são mais que palavras
voam mais alto
não se escondem

se revelam
e quando somos levados a pensar é uma dádiva
arrancam sorrisos...
com certeza
São partes perdidas
que de repente se encontram
em cada canto
em cada voz
em cada linha escrita
ou sussurrada
numa caminhada
que passa por estradas
de evolução ou ilusão
mas o que importa
não é o que se tem
mas o que se é
porque caminhos trilhados
podem ser compartilhados
e na partilha prevalece o bem
sem ver a quem
Mas quem será esse ser
que ao ver nascer o dia
tudo enche de esperança
mesmo sem saber
Até que horas a luz do dia
sorrirás em teu semblante?
Sorrisos...
necessários para manter a vida em voga
é o que importa
parceria
Opa!
E nesta hora, nãomais porta fechada
porque tudo se faz novo
no momento presente,
na vida presente
nenhuma ausência ocupará teu coração
nenhuma dor, nem tristeza
alegria e delicadeza
porque aspereza
não vale a pena
tenho teus olhos em cena
dentro dos meus
nenhuma palavra é tão pequena
e os seus em evidência não aparência
busca a verdadeira essência
essência do que seja vivência
vivência no Cristo Salvador
pai de todos
mestre dos mestres
guia e protetor
para que possamos
semear o verdadeiro amor
Oh! Vida como é tão simples!
Pena quepessoas a complicá-la
na sua mais pura escala
a transformá-la
num carma sem sentido
O que seríamos de nós se vivêssemos por viver?
É preciso sentido ter
a não ser
que se queira deixar de ser
mas com e confiança haveremos de vencer
pra nunca esquecer
que somos o que quisermos ser
Nem haverá mais distância
nem a estranheza dos desconhecidos
porque todos os dias nascemos
todos os dias redescobrimos
os sentidos que passam por nossos dedos
E porque tudo tem sentido, e também razão de ser
somos esses seres sapientes no saber
saber viver
não espera que a vida passe como ilusão
mas razão
objetivos e metas
Oh! Meu Deus!
Quanta luz em meu caminho
quantos passos de esperança
enchem meu peito.
desde criança
na mais tenra infância
tudo era desconfiança
o que ainda permanece na discordância
somos todos irmãos embora muitos não vejam
mas um dia há de chegar a tão esperada visão
de que todos somos verdadeiramente irmãos
Tanta ternura, tanto afeto
assim fazemos nossos atos
recriamos nossos passos
compassando na poesia
e na doação de palavras
âmago de nosso ser
Que nos faz viver

Autores: Cléia e Fabiano

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Sergio e Maria Rita


Casal sm 1. Par composto de macho e fêmea, ou homem e mulher. 2. Par formado para a dança.



Sérgio tinha 27 anos e Maria Rita 13 quando se casaram. Os dois estavam prometidos um ao outro desde o nascimento de Maria Rita. Ela, ingênua, sem fazer idéia do que aconteceria, chegava até a pedir a benção ao belo rapaz negro quando era menina. Qual não foi o tamanho do susto quando ela, também negra, soube do casório programado para o dia seguinte. Mas como casal é a afirmação de uma aventura insólita no absurdo involuntário do desejo e da paixão que transcende até as diferenças de sexo, ela - com pavor, curiosidade, interesse, vergonha, medo e ímpeto - não teve outro remédio senão aceitar.


Casaram, vieram os filhos; os cinco primeiros morreram de febre amarela, mas depois vieram mais doze. Desses seis também morreram. Vingaram seis. Depois de morarem em alguns lugares, compraram um terreno enorme com uma bela casinha e ali plantaram várias frutas, legumes, verduras e cultivaram várias plantas e ervas para chás, enfim, cumpriram o papel, a função primitiva dos pares que procriam, que geram, que semeiam. Sérgio foi trabalhar na Companhia das Águas e Maria Rita foi lavar e passar roupa para fora para pagarem o terreno. Os filhos cresceram e casaram. As festas, os perus e leitões assados, as bebidas, o som do calango tocando a noite inteira. Era um casal muito festeiro, que sabia celebrar a vida com os parentes e amigos.


Quando nasciam os netos, a própria Maria Rita era quem fazia os partos e cuidava de perto dos resguardos das filhas e das noras e dos umbigos dos bebês. Com seus mistérios sabia calcular o dia e a hora em que os bebês foram concebidos. Mas nem tudo foram flores. Sérgio tratou de honrar a tradicional, cultural e imatura macheza ao arrumar uma amante entre as vizinhas amigas da esposa, freqüentadoras das festas em sua casa. Seu nome era Laura e ela se encontrava furtivamente com Sérgio perto da estação de trem. Maria Rita suportou tudo calada, mantendo a dignidade de uma dama do lar, de uma matrona austera em sua indignação. Só que Laura adoeceu fatalmente e vendo em sua doença um castigo, agonizou aos gritos em sua casa, pedindo, implorando o perdão de Maria Rita. Esta, cristã, perdoou em oração a rival que pôde se despedir deste mundo em paz.


As coisas não iam muito bem para Sérgio. Já idoso parecia estar variando da mente. Depois de uma violenta discussão, bateu em Maria Rita. O netinho João Renato ao ver tudo começou a berrar. Sérgio se irritou e voou no pescoço do menino tentando estrangulá-lo. Maria Rita tentava salvar o neto das garras do insano avô e só conseguiu depois de acertar a cabeça do marido com um pedaço de pau. Internam Sérgio numa clínica. Lá levam frutas e biscoitos que ele se nega a dividir com os companheiros de quarto. Estes, para se vingarem, numa noite cegam os olhos de Sérgio com um estilete. Daí Sérgio vai definhando até morrer.


No dia do enterro, quando chega em casa, Maria Rita vê Sérgio olhando-a debaixo da mangueira do quintal. O fato se repete na missa de sétimo dia. A viúva vai até o centro espírita do médium Zé Moreno e lá fica constatado que Sérgio, antes de adoecer, enterrava uma caixa de dinheiro que vinha economizando à sombra da mangueira do quintal da casa. Só depois que Maria Rita desenterrou a caixa de dinheiro que ela nunca mais viu o finado marido em toda sua vida que também se findou vinte anos depois.


Sérgio e Maria Rita formaram par para dançar a estranha e louca dança da vida. A dança cujo os passos não se aprende. Eles surgem e seguem por si só, involuntários, efêmeros, inesperados. Às vezes tropeçando em uns, jogando outros para fora do salão. Dança em que não se sabe quem dança bem ou dança mal. Apenas se dança, já que não há como não se puxar ou ser puxado para dançar; pois estamos todos juntos nesse embalo frenético e cíclico da condição humana onde você não dança com o que tem, mas com o que pode. Eu sou uma das coisas que resultou dessa dança. Pois Sérgio e Maria Rita, meus queridos leitores, eram meus bisavós.

Marcio Rufino

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

1º, 2º e 3º Pré-lançamento da Bagagem de Mão do poeta Jorge Medeiros

O poeta Jorge Medeiros, a Folha Cultural Pataxó
e a Gambiarra Profana iniciam a maratona de divulgação
do livro “Bagagem de Mão”.

Dia 11/12/2010 na Escola Municipal Heliópolis - Belford Roxo/RJ


Dia 14/12/2010 no CIME (Centro Inclusivo Multi Educacional) - São João de Meriti/RJ


Dia 15/12/2010 na Faculdade Estácio de Sá - Vilar dos Teles / São João de Meriti/RJ - Reunião de Educação Especial


Para ver mais fotos dos eventos acesse: http://gambiarraprofana.blogspot.com/

TUDO QUE EU QUERIA (Arnoldo Pimentel e Silviah Carvalho)


TUDO QUE EU QUERIA
Autores: Arnoldo Pimentel e Silviah Carvalho

Tudo que eu queria ter
Era um pedaço de papel e uma caneta
Para escrever minha própria vida
Minhas próprias escolhas
Minha própria sorte

Tudo que eu queria encontrar
Era uma garrafa boiando no mar
Trazendo uma carta sua que me desse esperança
E me fizesse sonhar, viajando no meu próprio tempo
Vencendo barreiras e fronteiras a nos separar

Tudo que eu queria sonhar
Era com minha própria aquarela
Pintar meu próprio céu, aonde na
Realidade estivesse você e que
Nosso encontro deixasse de ser um conto

Tudo que eu queria ser
Era o papel que está escrito minha vida
Para poder ficar na chuva, para molhar
Até a tinta sumir até deixar de existir
Pois a vida não é vida, se você não está aqui

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Notícia policial

Encontrado nesta manhã,

Estirado no chão de uma praça,

homem de baixa estatura,

cabelo vermelho,

calcanhares para frente

e os pés para trás.

Ele foi morto a facada

depois de passear em outros ares,

noites de orgias e fugas delirantes.

Cansou de se esconder na mata

e foi morto.

Vulgarmente conhecido como Curupira,

deixou um bilhete que dizia:

Amor se constrói, rejuvenesce, se revela!

A vida escapa pelo dedos de quem se esconde!!

Liberdade às mariposas proletárias!!!

Fabiano Soares da Silva

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Trocadilhos

A gambiarra me iluminou
uma nova aurora
que me apresentou
aos olhos
novas imagens
que jamais serão
turvas
as poeiras sacudidas
por veículos
e vendavais
faz sentido e barulho
na dança
e no canto
do solitário pataxó.
E me recordo
e me amplio
na poesia que veio do pó
e ao pó me levará.

Fotografia: Fabiano Soares da Silva

Jorge Medeiros

Pataxó Nº 22











quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CORPO NU

CORPO NU
Autor: Arnoldo Pimentel

Céu sem cores
Olhos pintados com cores incolores
Gente que caminha pela calçada
Roupas desgastadas e desbotadas

Prato sem carne
Poesia sem angu
Rosto atravessado
Pelo corpo nu

Palavras que são sonhos
Sonhos que não existem
Trem que se divide

Céu sem cores
Corpos se amando sem dores
Lua sem pudores

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

nada sei

ainda consigo sentir o cheiro da sua boca...
o gosto do teu hálito e do teu suor...
teu cheiro....
tua respiração forte e descompassada perto do meu ouvido
arrepiando cada parte do meu corpo
trazendo uma sensação inexplicável e indescritível.
lembro dos músculos do seu corpo se contraindo
o suor escorrendo pela tua testa....
caindo sobre mim.
e o teu beijo cada vez mais profundo...
mais demorado, mais molhado...
tuas mãos deslizando pelo meu corpo...
por tudo que é meu...
e que ali passou a ser teu também...
o suor que não se sabe mais de quem é...
lembro dos teus carinhos nos meus cabelos...
fazendo nós por entre teus dedos.
lembro de cada suspiro teu....de cada sorriso maroto...
me olhando com desejo e ternura...
tudo junto e eu sem saber...
e hoje eu nada sei sobre tudo isso, eu apenas
lembro....relembro, sem jamais esquecer.

Suzana Galdino de Oliveira

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010