FOLHA CULTURAL PATAXÓ

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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Janaína




Há anos eu não via Janaína. Ainda me lembrava muito bem daquela menina morena, alta, forte, tímida, triste, rechonchuda, complexada em seus óculos fundo de garrafa. Mas qual não foi minha surpresa quando vi aquele mulherão; charmosa; sexy, um olhar lascivo. Havia operado os olhos, casado, tido filho, descasado, casado novamente. O tempo havia lhe presenteado com uma desenvoltura, articulação e despreendimento de causar inveja a mais competente das relações públicas. Tinha acabado de sair de seu escritório. Tinha se tornado uma advogada. Trocamos e-mail, orkut, msn.

Minha mãe havia colocado uma causa na justiça envolvendo uma importante operadora de comunicação que havia cobrado taxas a mais de pagamento. Batido o martelo, decidiu-se que minha mãe teria direito apenas ao valor já gasto com as taxas pagas a mais. Ficamos indignados: "Ora! E os danos morais?" Decidi me esclarecer com minha amiga advogada Janaína pelo msn. Uma vez adicionados, aceitos e virtualmente reencontrados um ao outro, começamos. Na tela do computador, sua foto com um suave sorriso sarcástico e o mesmo olhar lascivo dava um clima sofisticada e discretamente sensual e brejeiro.

Eu: Minha amiga. Preciso de sua ajuda.

Janaína: Pode tc, meu querido.

Expliquei a situação.

Janaína: Eu vou falar com ela quando ela sair do banho.

Eu (assustado): Mas como? Se vc não é ela, vc é quem?

Janaína: Eu sou o marido dela.

Eu: Desculpe.

Janaína: Tudo bem.

Eu: O que vc faz da vida?

Ele me respondeu que era promotor de vendas justamente da operadora que estávamos em questão, em causa na justiça.

Janaína: Eu tenho alguns versinhos seus aqui comigo.

Eu: Como? Versinhos meus?

Janaína: Versinhos que vc me deu pra digitar na época da escola.

Eu: É vc Janaína?

Janaína: Sim, sou. Acabei de sair do banho.

Eu: Ah!

Janaína: Sabe que nunca fui a mesma desde aquele dia que vc desmanchou comigo pelo telefone.

Eu: Mas isso foi na época da escola. Eu já nem me lembrava mais disso.

Janaína: Eu quis te matar.

Eu: Que é isso, Janaína?! Seu marido pode ler isso.

Janaína Ele foi na casa da madrinha com um amigo.

Eu: Nós nunca daríamos certo.

Janaína: Porque a gente não dá uma saída pra tomar umas cervejas num bar?

Eu: Sim. Vamos sair pra tomar cerveja num bar qualquer da cidade. Que dia fica bom pra vc?

Janaína: Nenhum. Eu não bebo.

Eu: Vc tá brincando comigo, Janaína?

Janaína: A Janaína foi beber água. Aqui é o marido dela.

Cansei-me daquilo. Desliguei o computador. Na tela o mesmo reflexo do sorriso levemente debochado e do olhar lascivo.


(Marcio Rufino)

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