FOLHA CULTURAL PATAXÓ

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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

CONCHAS DO MAR





CONCHAS DO MAR

Ondas viajam
Trazem estrelas só para se olhar
Levam garrafas pelo mar
Levam sorrisos
Para aprenderem chorar

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Caminho.


É assim:
tem um rio de águas bravas a chutar a barriga de Rosa.

“A nova mulher” tenta renascer. Mas dói, como se uma lança atravessa-se o peito. Não tem música. Somente o soar do relógio da vida. Que já lhe deu muito tempo. Mas, agora não respeita a letargia, por falta de coragem.
Asas envolverão o frágil corpo. O pulso diminuiu as batidas. O silêncio a sufoca.
Pressente o período da transformação. Mas, no fundo, sabe o quanto precisa de distância dos mundos aos quais não pertence.

Há raízes em suas pernas. Move-se lentamente. Sente que o coração, retoma a direção de suas escolhas. Nesse singelo momento chorou e vomitou às mágoas que não admitia. Percebeu as asperezas, do tempo que fechou os olhos, para a força dos desejos dela.

Em algo semelhante, a uma prece. Despediu-se e lançou luz, para todos o que, a trataram de maneira profunda, sincera e carinhosa.

Ao desmaiar, a Terra acolhe e transforma-a em semente.
Após (re) aprender a conviver com a natureza. Para o espanto das Orquídeas. O Girassol retorna em silêncio, porém sã.

Janaína




Há anos eu não via Janaína. Ainda me lembrava muito bem daquela menina morena, alta, forte, tímida, triste, rechonchuda, complexada em seus óculos fundo de garrafa. Mas qual não foi minha surpresa quando vi aquele mulherão; charmosa; sexy, um olhar lascivo. Havia operado os olhos, casado, tido filho, descasado, casado novamente. O tempo havia lhe presenteado com uma desenvoltura, articulação e despreendimento de causar inveja a mais competente das relações públicas. Tinha acabado de sair de seu escritório. Tinha se tornado uma advogada. Trocamos e-mail, orkut, msn.

Minha mãe havia colocado uma causa na justiça envolvendo uma importante operadora de comunicação que havia cobrado taxas a mais de pagamento. Batido o martelo, decidiu-se que minha mãe teria direito apenas ao valor já gasto com as taxas pagas a mais. Ficamos indignados: "Ora! E os danos morais?" Decidi me esclarecer com minha amiga advogada Janaína pelo msn. Uma vez adicionados, aceitos e virtualmente reencontrados um ao outro, começamos. Na tela do computador, sua foto com um suave sorriso sarcástico e o mesmo olhar lascivo dava um clima sofisticada e discretamente sensual e brejeiro.

Eu: Minha amiga. Preciso de sua ajuda.

Janaína: Pode tc, meu querido.

Expliquei a situação.

Janaína: Eu vou falar com ela quando ela sair do banho.

Eu (assustado): Mas como? Se vc não é ela, vc é quem?

Janaína: Eu sou o marido dela.

Eu: Desculpe.

Janaína: Tudo bem.

Eu: O que vc faz da vida?

Ele me respondeu que era promotor de vendas justamente da operadora que estávamos em questão, em causa na justiça.

Janaína: Eu tenho alguns versinhos seus aqui comigo.

Eu: Como? Versinhos meus?

Janaína: Versinhos que vc me deu pra digitar na época da escola.

Eu: É vc Janaína?

Janaína: Sim, sou. Acabei de sair do banho.

Eu: Ah!

Janaína: Sabe que nunca fui a mesma desde aquele dia que vc desmanchou comigo pelo telefone.

Eu: Mas isso foi na época da escola. Eu já nem me lembrava mais disso.

Janaína: Eu quis te matar.

Eu: Que é isso, Janaína?! Seu marido pode ler isso.

Janaína Ele foi na casa da madrinha com um amigo.

Eu: Nós nunca daríamos certo.

Janaína: Porque a gente não dá uma saída pra tomar umas cervejas num bar?

Eu: Sim. Vamos sair pra tomar cerveja num bar qualquer da cidade. Que dia fica bom pra vc?

Janaína: Nenhum. Eu não bebo.

Eu: Vc tá brincando comigo, Janaína?

Janaína: A Janaína foi beber água. Aqui é o marido dela.

Cansei-me daquilo. Desliguei o computador. Na tela o mesmo reflexo do sorriso levemente debochado e do olhar lascivo.


(Marcio Rufino)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Convite...

Escritores autônomos.


A idéia deste projeto surgiu a partir de conversas, nas madrugadas pela internet, em bares e ruas… É uma idéia que pretende se concretizar em um livro, reunindo pessoas que, apesar da imensa vontade de compartilhar o que escrevem ou desenham, deixam seus escritos e rascunhos na gaveta ou deixam-se desanimar por editores preocupados com o próximo “best seller”.

Depois de diversas conversas pensamos, sonhamos e avaliamos as inúmeras possibilidades e vimos que é possível viabilizar a publicação de um livro com contos, prosas, poesias, versos, desenhos.

Temos em comum a crítica ao sistema capitalista em que vivemos, e todas as suas práticas que procuram nos deformar diariamente. Teremos sim muito trabalho mas ficaremos felizes em ver uma idéia tornar-se algo real. Sem que fiquemos a mercê e a espera de grandes editoras ou de concursos “caça níqueis”.

Convidamos todos os escritores, poetas, trovadores, contistas de todas as horas e recantos para que enviem seus escritos, dúvidas sugestões para:
quintalpoetico@gmail.com

Lembretes:


Afinal, quem somos nós? Por que nos denominamos Escritores Autônomos?

Somos seres que partilhamos mais que paixão pela Literatura e pelas palavras. Acreditamos que tod@s possam escrever para além dos parques gráficos e críticos de nariz em pé que insistem em nos chamar de amadores por não estarmos “inseridos” nos grandes meios editoriais ou de comunicação.

Nossos nomes e blogs:

Rafael: http://pseudocontos.wordpress.com

Tatiana Costa: http://casasderetalhos.blogspot.com

Tuta: http://www.tuta-e-meia.blogspot.com

Rum: http://www.amortedegregorsamsa.blogspot.com

Eliza: http://www.umabonecasemanual.blogspot.com

Entre yakissobas e vontades infinitas

Á par de seus desejos superficiais e cristalizados
...distancio-me não só da mesa, em que estão postos nossos pratos; antes de sair das cenas que se avultam e repetem, refaço-me.
Sem a maquiagem de pierrot triste,
sem estar munida somente com histórias tristes, para me intrometer e estampar com cinza os dias alheios.

Um furação se forma nas minhas entranhas.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


Vasculhei hoje o cantinho da saudade
E vi F. em minha frente
Triunfal, como eu o conheci
Figura carismática, heróica
Deslumbrante força,
Docilidade no trato com as pessoas,
Decisivo, contundente
Servia-o obscuramente,
Sem desejar nada em troca
Eu sempre girava em sua órbita.

Percebi outro dia, em palestra,
Essas de exigência de currículo
Em Havana , sem charutos,
Que inventei uma figura
Construí uma imagem
E vivi em função dela
Nunca, entre nós, houve um momento
De verdade.
E agora, tomando uma suave
Chícara de café, da minha janela,
Vendo os Arcos
Invadiu-me uma incontrolável
Sensação de felicidade...
Havia quebrado, sem ressentimento
A estátua esculpida
No secreto do meu ser.

Duda Aurora


sábado, 22 de janeiro de 2011

SOL CÁLIDO

SOL CÁLIDO

Nem havia sol ainda
Apenas a madrugada adormecida
E o ferro de engomar
Já ia de um lado para o outro
Engomando o clima prisional
Sentimento temporal

Gotas de sal
Que caíam das cores turvas
Do armário
Salgando a neve
Que escurecia o refratário

Olhar cálido
Pousado nas linhas do vestido
Sol por nascer
Mais um dia na volta ao mundo
A escurecer

Liberdade que não se vê
Um relevo a esconder
Tudo que ainda está por nascer
Quando o dilúvio na tempestade de areia
Sobreviver

E deixar-se conhecer
Como apenas mais uma ilusão
Que impede o verdadeiro viver
Que também fará em vida
Simplesmente desaparecer


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A mulher de hoje em dia




Traição: Enganar perfidamente, atraiçoar/ Faltar ao cumprimento de/ Revelar/ Deformar, não traduzir com fidelidade/Não ajudar, abandonar/Denunciar-se por imprudência: comprometer-se; desnudar o pensamento.


A lua estava deslumbrantemente linda naquela madrugada de segunda para terça, quando eu e meu amigo, o poeta e sociólogo Henrique Souza saímos do Sport Club Iguaçu na festa de aniversário do cantor e compositor Daniel Guerra e caminhamos até o centro de Nova Iguaçu. Quando chegamos na Otávio Tarquínio, Henrique tomou seu rumo e eu segui o meu olhando para a lua cheia, imponente, inteira, poderosa, resplandecente; luzindo na escuridão enigmática do firmamento. Hipnotizado como eu estava por aquela lua, se viesse um ladrão me roubar eu nem me daria à mínima conta disso. Mas a baixada, graças à Deus, ainda é um pedacinho de Rio de Janeiro onde ainda se pode respirar um mínimo de liberdade ingênua no caos urbano do cotidiano.

Quando cheguei ao ponto para pegar a kombi que me levaria à Belford Roxo, vi parado ali um lindo casal de jovens negros abraçados se beijando apaixonadamente. Seus braços, lábios e coxas se articulavam e interagiam de forma tão harmoniosa que pareciam querer fundir-los em um só como numa experimentação alquímica. Para uma madrugada sedutoramente enluarada como aquela, não poderia existir cena que viesse a calhar melhor.

- Que horas você vai ligar pro meu celular? – Perguntou ela num frenesi.

- Lá pra de tarde! – Respondeu ele num sorriso sem-vergonha de sátiro do bosque.

Enfim a kombi chegou. Como o casal demorava a se entreter no sensual entrelace, tomei a liberdade de ser o primeiro a entrar. Alguns sedentos e calientes minutos de pegação depois, a moça se despediu do rapaz entrou na kombi e sentou-se completamente relaxada na poltrona a meu lado.

- Ai, meu Deus! Quando eu chegar em casa meu marido vai me matar! – Disse ela num sorriso puro de menina sapeca.

Eis que surgiu em mim um sutil choque.

- Ah! Você diz à ele que estava fazendo serão até mais tarde! – Respondi cínico.

- Mas eu não trabalho não, moço! – Respondeu-me num ar escorregadio. – Tô na rua desde às 18:00. Tô aqui só imaginando a cara dele quando chegou em casa e viu as crianças sozinhas sem eu lá.

Quase que eu gritei: ”sua sem-vergonha, vagabunda. Você não tem vergonha na cara, sua cachorra?”.

- Hoje em dia o homem aceita tudo de uma mulher bonita como você! – Acabei falando amigavelmente.

- Que nada! Quando eu chegar lá em casa vou encontrar minhas coisas na calçada. Aliás! As minhas não! As dele! O quintal é meu!

Quando a kombi chegou no bairro Heliópolis ela pediu para o motorista parar no próximo ponto. Chegando lá.

- Tchau, moço!

-Tchau, gata!

E ela desembarcou, atravessou a rua e seguiu adiante levando consigo, como um anjo que leva sua auréola, aquela bela, rechonchuda e iluminadíssima lua cheia daquela arrebatadora madrugada.


Marcio Rufino
Todos os direitos reservados

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O que está em questão?

Belo Monte seria maior que o Canal do Panamá, inundando pelo menos 400.000 hectares de floresta, expulsando 40.000 indígenas e populações locais e destruindo o habitat precioso de inúmeras espécies -- tudo isto para criar energia que poderia ser facilmente gerada com maiores investimentos em eficiência energética.

A pressão sobre a Presidente Dilma está aumentando: o Presidente do IBAMA acabou de renunciar, se recusando a emitir a licença ambiental de Belo Monte e expondo a pressão política para levar este projeto devastador adiante. Especialistas, lideranças indígenas e a sociedade civil concordam que Belo Monte é um desastre ambiental no coração da Amazônia.

Povos do Xingu contra a construção de Belo Monte

Defendendo os Rios da Amazônia - Parte 1

Defendendo os Rios da Amazônia - Parte 2


Busca

Busco a santíssima
E idolatrável amizade
Fumegante e carnal
Como a de Jônatas e Davi
No livro santo de Samuel
Que mesmo a morte
Não suplantou tanto ardor
E estima

Busco a amizade plena
Divinamente permitida
Divinamente concedida
E contemprâneamente
Deturpada.

Jorge Medeiros
(04-01-2011 - 01:01 h)

domingo, 16 de janeiro de 2011

Mulher arrancada

Quando dei por mim
Não me dei, nem me doei
Só doeu de doer
Só havia um grito
silencioso
De permissão,
Abafado por um macio
travesseiro
Pressionado por uma mão
Nada paternal.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CATAVENTO



CATAVENTO

Olhei o catavento
Catando o vento no litoral
Do meu tormento

sábado, 8 de janeiro de 2011

A Movimentanormalidade





Paranormal é um termo empregado para descrever as proposições de uma grande variedade de fenômenos supostamente anômalos ou estranhos ao conhecimento científico, mesmo se essa percepção for devida à ignorância.

Telúrio Nepomuceno começou a se interessar pelas artes plásticas ainda menino Na verdade as formas sempre lhe assombravam e seduziam desde quando se entendia por gente. Era ele um constante e ambulante assombro. Também, as coisas sempre conspiraram para que ele se surpreendesse assustadoramente com tudo.


Quando tinha dois anos estava no colo de sua mãe, no bairro de Areia Branca, em Belford Roxo, esperando o ônibus em frente ao bar, quando presenciou uma violenta discussão entre um bêbado e o dono do bar. O dono do bar mandou o bêbado para um certo lugar este o respondeu com uma navalhada no rosto. Telúrio só se lembra da sensação gostosa de querer lamber aquele suco de groselha que escoria do rosto do dono do bar. Mas sua mãe fugira dali apavorada com a cena.


Desde pequeno as formas causavam sensações deliciosas em Telúrio. Assim como quando passeava por Nova Iguaçu e via as obras em construção, os pedreiros trabalhando, os transeuntes passando e isso o remetia inconscientemente a tempos idos, quando ainda não existia quase nada e os artesões levantavam templos e palácios; os camponeses aravam a terra e a defendiam da seca e os deuses passeavam entre os humanos. Os desenhos animados, as figuras lhe acendiam uma certeza incrível de também ser figura. Ainda mais quando seus sentimentos correspondiam a sentimentos de personagens de ficção. E a descoberta do primeiro amigo; da primeira namoradinha; do primeiro choque.


Primeiro choque?


Sim primeiro choque humanamente elétrico. Ele tinha treze anos. Estava brincando de esconde-esconde e ouviu sem querer de uma vizinha:


- Coitadinho do Telurinho. Mal sabe ele que é filho do próprio avô. O finado Aurélio, que o diabo o tenha num péssimo lugar, aquele cão danado, abusava da pobrezinha da própria filha.


Foi aí que Telúrio descobriu que a pior e maior eletricidade é aquela que existe dentro do próprio corpo. Ele saiu do esconderijo, expôs a sua figura e seu amigo bateu no poste três vezes.


- Agora ta contigo, Telúrio!


Ele não se importou, pois de agora em diante sempre estaria com ele. Não só nos esconde-escondes, mas principalmente nos revela-revelas da vida.


As formas de tudo tomavam uma outra perspectiva para Telurinho. É como se formasse um mosaico além de tudo que lhe rodeava e ele visse tudo ao mesmo tempo. Era algo mais incrível do que a paranormalidade. Era a movimentanormalidade.


A movimentanormalidade era a verdadeira desobediência às convenções, pois rompia com todos os limites das formas sensíveis, sem precisar de nenhuma droga. Era a certeza, a descoberta, a consciência de que nada é lindo ou horroroso; perfeito ou defeituoso; virtuoso ou promíscuo que desencadeava sua manifestação. Isso fazia Telúrio olhar para as loja, os comércios, as casas e saber o que se passava lá dentro sem precisar entrar. E assim era com as pessoas. E assim ele descobriu os homens que pensavam dominar suas mulheres, mas eram por elas manipulados;descobriu as mulheres que pensavam seduzir seus homens, mas eram traídas e abandonadas por elas mesmas; descobria as crianças que provocavam seus próprios abusos para destruir e reinar; descobria os falsos idosos que fingiam ter pena de si próprios para iludir e sugar energias numa vampirística hipnose. E então ele descobriu que as formas internas, muito mais que abstratas e agressivas, eram muito mais poderosas e lhe devoravam num ritual pseudo-antropofágico.


Telúrio então cresceu acariciando e apalpando tudo que lhe era apresentado. Bichos, plantas, objetos, até pessoas. Era muito mal interpretado. Muitas vezes já foi até agredido fisicamente, pois a movimentanormalidade provoca impulsos contínuos e intensos que não cabem na razão humana.


Ele chegava no quintal de sua casa depois da chuva e pegava o barro molhado e amassava e moldava. Fazia também assim com jornais e revistas velhos. Formava pessoas, bichos, objetos, universos. Chegou às suas próprias conclusões de tudo e do nada com a movimentanormalidade. Ousou pensar tudo a partir de si mesmo.


Marcio Rufino
Todos os direitos reservados

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Se os Tubarões Fossem Homens - Por Bertold Brecht

Se os tubarões fossem homens, eles fariam construPir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais.
Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias, cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim que não morressem antes do tempo.
Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.
Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões.
Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos.
Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos.
Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência.
Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista e denunciaria imediatamente aos tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.
Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre sí a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.
As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que entre eles os peixinhos de outros tubarões existem gigantescas diferenças, eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro.
Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos
Da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, havia belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nos quais se poderia brincar magnificamente.
Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.
A música seria tão bela, tão bela que os peixinhos sob seus acordes, a orquestra na frente entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos .
Também haveria uma religião ali.
Se os tubarões fossem homens, ela ensinaria essa religião e só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida.
Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros.
Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar e os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiro da construção de caixas e assim por diante.
Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

Sobre o(a) autor(a):
Bertold Brecht (1898-1956), nascido em Augsburgo. Escritor e dramaturgo alemão, além de grande teórico teatral. Desde menino escrevia poesias de forte conteúdo social. Foi perseguido pelos nazistas pelo seu comunismo militante.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Tempo

O tempo tece a sua trama
Devagar, promissora
E imperceptível
Somos trabalhados pelo tempo
Não sei até onde vou
Ou até onde posso ir
Penso e falo puerilidades
...
As verdades são perigosas
Criam muros altos
Felizes os que possuem
Verdades
Estão protegidos por muralhas.

Jorge Medeiros

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Religiosidades


Não há terços em minha casa
As orações são espontâneas
E de corpo refestelado
No dormitório macio
A bíblia sagrada não está
Na cabeceira da cama
Está na sala, agora,
Sob o aparelho de som
A tocar uma música
De Adriana, a Calcanhoto
E canhota é minha religião
E de muita fé
Meus dias são religiosamente
Refinados
E voluptosamente percebidos
Mediante a uma boa caminhada
Para manter a forma
E depois pecar satisfatoriamente
No almoço regado
A salmão com alcaparras.

Nada na vida me é indiferente
E tudo é divinamente
Religioso
Até a dor que me fere o dedo mindinho
No corte a faca.

Jorge Medeiros ( 04- 01-11 - 00:44h)

sábado, 1 de janeiro de 2011

Aos amigos, amigas, poetas, companheiros, companheiras...

Ousadia aos nossos caminhos neste ano que recomeça! A vida encarada de frente e resignificada com nossos sonhos diários! Resistência, luta e vitória!


“Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece. Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru. Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos. Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos. Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo. Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar. Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante. Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe. Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um feito muito maior que o simples fato de respirar. Somente a ardente paciência fará com que conquistemos uma esplêndida felicidade.”

Pablo Neruda