Ela não mora mais ali. O portão verde e a casa, que era
grande, não existem mais. Ela gostava de passear pela praia, sempre pela manhã,
porque era mais calmo, não tinha tantas pessoas. Quando sentia frio vestia um
casaco que ia abaixo dos joelhos. Ela nunca viu o mar. Para passear na praia
ficava desenhando no caderno, desenhava o mar, a areia, os sonhos e plainava na
sua imaginação. Ela não gostava muito de bonecas, gostava do mar. Ela não tinha
bonecas e morava longe, muito longe do mar. Seus irmãos não tinham bolas de
futebol, não tinham carrinhos, brincavam no quintal.
- Crianças, todos para o quarto, arrumem a esteira, é
hora de dormirem.
Já era tarde, não havia luz, a avó pegou o lampião da
sala e levou as quatro crianças para o quarto. Elas abriram a esteira, forraram
com lençol e deitaram. A janela ficava sempre aberta em noites quentes ou
frescas como aquela. Não havia medo, elas estavam longe do mar, os tubarões
vivem no mar. Elas estavam longe da selva, os leões vivem na selva.
- Sua bênção vó – disseram as crianças.
- Deus abençoe – disse a avó.
- Sua bênção tia, sua bênção mãe – gritaram as crianças.
- Deus abençoe – responderam a mãe e a tia lá cozinha,
onde conversavam.
As luzes dos prédios são acesas ao anoitecer, é sempre
noite.
São as cidades.
São as cidades.
Arnoldo Pimentel
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