FOLHA CULTURAL PATAXÓ

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domingo, 15 de julho de 2012

Sala de aula (Texto e desenho de Cristiano Marcell)


                                                          Desenho de Cristinao Marcell
Como profissional de ensino , muita das vezes me vejo de mãos atadas e por mais que me empenhe na tentativa de evolução do ensino, admito que existe uma reciprocidade na culpa da baixa qualidade do ensino tanto na rede pública como privada. Se por um lado há uma falta de ânimo crônica no corpo docente, devido ao descaso das castas governamentais e baixos salários, não há como negar a apatia doentia de boa parte do alunado que não procura o aprendizado pelo aprendizado. Há uma busca enojante pelo saber somente daquilo que será usado ou não, levantando-se sempre a pergunta:"Para que tenho de saber isso?". O que me preocupa é o fato dessa indagação começar(e já começou há algum tempo,tenham certeza) por conceitos ditos como básicos e necessários para qualquer ser que deseja viver numa sociedade civilizada.
     O desenho a seguir, fiz num dia de questionamento existencial de minha profissão. Ainda assim, caros amigos que muito me honram com suas visitas, digo com firmeza plena que amo meu ofício e não saberia fazer outra coisa.

      Costumo dizer, em tom de brincadeira, que lamento muito não ter tido o mesmo privilégio que Drummond, ao nascer. Nenhum anjo torto veio até mim, dizendo no que eu me tornaria. Qual teria sido o motivo da predileção divina pelo célebre escritor e não por mim?
      É claro que o poeta narra essa passagem apenas para enriquecer nossos corações com sua obra literária. Grandes nomes da ciência, filósofos renomados, chefes de Estado, músicos, ao abandonarem o ventre materno não tiveram a menor noção da contribuição que dariam ao mundo. Envoltos num manto, em meio a choros causados por cólicas, não temos grandes idéias que nos valem um Nobel. Tampouco fazemos discursos comoventes e intangíveis que transmitem uma mensagem que atravessa o milênio. I have a dream? Se temos sonhos, como Luther King, não lembramos dos mesmos nessa fase.
      Fora o fato de sermos extremamente importantes para nossos familiares não temos nenhuma serventia no início de nossa jornada. Quando olhamos um bebê não divagamos sobre qual será sua futura função na equipe de pesquisas espaciais ou quantos projetos sócio-educacionais ele idealizará para alavancar o país rumo à extinção da pobreza.
A pergunta que faço é : Por que, cada vez menos, indispomos de paciência e vontade de aprender coisas cuja aplicabilidade imediata não conseguimos enxergar?
      Nesses anos de magistério, convivo com indagações do tipo Pra que tenho de saber isso? Alguns querem realmente ter a informação e outros tentam somente desmoralizar-me mostrando que a Matemática nos toma tempo e esforço preciosos para nada.
Se o assunto em voga é números complexos ou gráficos senoidais, reconheço que fica complicado para que tenhamos a compreensão de sua importância na eletrônica, por exemplo, mesmo por que não objetivamos ser técnicos ou engenheiros, na maioria das vezes. Entretanto, chegamos a uma era em que banalizamos até mesmo a aritmética básica com suas operações fundamentais.
      Certa vez um morador da ilha de Samos comprovou que a área do quadrado cujo lado é a hipotenusa de um triângulo retângulo é equivalente à soma das áreas dos outros dois cujos lados são os catetos da mesma figura. Deu a esse teorema (ou deram a ele) o seu próprio nome. Estava criado o Teorema de Pitágoras sem imaginar sua utilização séculos depois por Leibniz no Cálculo Diferencial, primordial na construção de grandes obras. Euler, ilustre matemático, que fazia incansáveis estudos rodeado de crianças e que teve a infelicidade de perder a visão, pesquisou sobre os grandes números primos de vários algarismos, sem saber que seriam usados em senhas para defesa de informações confidenciais.
       Devemos nos conscientizar de que devemos aprender e descobrir coisas sem a preocupação austera de onde e quando vamos manusear sua s ferramentas.
Tratemos a Matemática, a Física, a Química, a Literatura etc., como quem cuida de um recém-nascido. Gostando dele ainda que atualmente nos consuma as energias e sabendo que dentro em pouco nos dará alegria e orgulho.
       Quem sabe Drummond, anjo que certamente agora é, venha-nos na flor da idade e nos agracie parabenizando não pelo que seremos mas, sim, pelo que nos tornamos. 

Cristiano Marcell

Cristiano Marcell é professor e poeta iguaçuano e escreve regularmente nos blogs http://esquifedememorias.blogspot.com
 http://haicaienaomachuca.blogspot.com


12 comentários:

  1. Boa noite amigo.

    Sou Licenciando em História e to passando pela experiência da sala de aula durante o estágio que faço, vinte horas por semana. Ha realmente um desinteresse total e profundo em aprender e evoluir.

    Mas penso, em minha ignorancia, que isto esteja acima do poder político, esteja no poder econômico que acaba se refletindo na cultura do povo brasileiro.

    Em primeiro lugar, temos a cultura colonial, de que nada é mutável e que o sofrimento é normal. Bem típico daquele tempo.

    Além disso, os paises imperialistas investem pesado na INFANTILIZAÇÃO e na IGNORANTIZAÇÃO do povo. O que é isso? Ligo a TV e vejo novela, BBB, fazenda; olho pros lados e vejo out-doors, compre, compre, tudo se resolverá se você comprar.

    Por isso as pessoas estão demasiadamente objetivas: aprender o que traz renda (renda pra consumir). O amor ao aprendizado, ao saber, ao que trará sabedoria, inexiste.

    Eu gostaria de que todas as discplinas fossem ensinadas e aprendidas de forma filosófica, despretenciosamente. Aprender pra aprender. Por amor. Por prazer. Inclusive as exatas.

    É preciso mudar a tendencia tecnicista das escolas brasileiras (e dos paises em desenvolvimento). Mas essa mudança nao virá dos políticos, nem da ONU, nem dessas instituições cerimonialistas e extremamente burocráticas. Virá do povo, quando se conscientizar de que os valores pregados pelas grandes mídias de nada valem, senão para nos tornar muito mais adversários que irmãos.

    Enquanto os valores vigentes permanecerem o sistema nao se modificará não.

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    1. Preado Jonatan Magela,

      concordo com seu ponto de vista e acrescento: a mídia pode ser responsabilizada por um naco bem grande dessa carne podre!sou prefoessor do Colégio Pedro II e, desde que a greve começou, as redes de rádio e televisão noticiam:os alunos estão sendo prejudicados. É claro que estão, contudo, seria de bom alvitre, insistir que o magistério não é bem remunerado e, para conseguir uma condição digna, deve sim permenecer paralisada!

      Gostaria de ressaltar(e talvez amaldiçoar)àqueles colegas que auto destróem a imagem, com comentários idiotas do tipo: "eu sou professor, por isso minha roupa é rota","Eu sou um pobre coitado por causa do magistério". Façam-me o favor! Devemos ser dignos e mostrar que temos valor, já que os governantes fizeram bem o seu papel desmoralizador de nos expor de forma tão degradante, o que justifica o baixo salário!

      Muita paz!

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  2. Oi Arnoldo,boa noite!
    Que texto inteligente do professor.Gostei muito.
    Infelizmente muitos alunos,não valorizam a matemática,parece que essa disciplina nunca é bem vinda.
    Sei que não é muito fácil enxergar a 'aplicabilidade imediata'...
    Mas matemática,(pelo menos pra mim),é algo fascinante,e sempre adorei.
    (Ah,o comentário do Jonathan Magella,é muito bom,e complementa o texto do Cristiano Marcell).
    Abraços :)

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  3. OI ARNOLDO!
    VIM A TEU CONVITE LER O TEXTO DO CRISTIANO.
    VEJO NELE, TODA A ANGUSTIA DE UM MESTRE, QUE TENDO TANTO PARA DAR E ENSINAR,
    NÃO TEM A ALEGRIA DA RECIPROCIDADE ATRAVÉS DE ALUNOS QUE NÃO TEM MAIS O OBJETIVO DE APRENDER E SE ENRIQUECER PARA A VIDA, É UMA PENA MESMO.
    ABRÇS

    zilanicelia.blogspot.com.br/
    Click AQUI

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    1. Cara Zilani,

      não é só angústia, é também a sensação de que nada mudará nas próximas décadas!

      Muita paz!

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  4. Um texto que retrata bem o quanto é dífícil o ofício de educar.
    Tenho algumas experiências ,no entanto a nível do ensino fundamental( até 5º ano), onde o interesse é um pouco maior. Muito depende do que os pais orientam nessa idade .
    Parabéns ao Cristiano pelo bom texto,pela dedicação e prossigamos firmes certos que se um dos nossos alunos ouvir já valeu a batalha de todo dia.
    Um abraço Arnoldo e obrigada por trazer amigos que acrescentam,nos enriquecendo com experiências .
    Fique bem , e inspire-se inspire-se que faz bem a alma e ao coração.rs

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  5. Olá, Cristiano:

    De início, parabéns pelas reflexões - independentemente de estar de acordo com elas. Pois apenas o fato de um professor se dispor a pensar sobre o universo do seu ofício já é um ganho!

    Você centra tuas críticas no pensamento utilitarista que move os alunos. Mas como se espantar se é esse utilitarismo que move a sociedade em que vivemos? Claro que o simples prazer, de certa forma, também é "útil" – sua utilidade [?!?] é nos fazer felizes – ainda que a felicidade não compre nada além dela mesma... Assim, me recordo que durante todo o ensino básico e fundamental [quando os cursei, ainda se chamavam "primário", "ginásio" e científico"], só gostava de três matérias: Português [assim mesmo só literatura, nada de gramática...], História e Geografia - esta última, descobri depois, porque me apresentava "nomes mágicos" como os de acidentes geográficos [istmo, falésia...] e porque se desenhava muitos mapas-mudos [sou do tempo em que a Geografia era apenas física, e não essa mistura aguada de história/sociologia/antropologia que se tornou hoje em dia...]. Como vê, à exceção de História - meu interesse e curiosidade talvez mais genuínos "em si" - minha atração pelas outras não passava de um "efeito colateral" do gosto pelas palavras e pelas artes plásticas - que cultivo até hoje... Com certeza por isso minha primeira graduação foi em História – que abandonei depois de um ano de curso, me transferindo para Comunicação Visual.

    Enfim, talvez o que queira dizer com o relatado acima é que, de certo modo e por conta própria, já estava praticando uma espécie de “interdiciplinariedade/transdisciplinariedade” ao fazer estas mixagens entre geografia/artes/português. E daí sigo para um argumento seguinte: da maneira como está organizada, a escola é realmente um dos piores lugares para se obter conhecimento – e apenas um aluno excepcionalmente curioso e interessado vai se dispor e conseguir superar as inúmeras barreiras que a própria escola, na sua burrice estrutural, cria para dificultar o acesso ao conhecimento. Os professores, isolados, “cada um no seu quadrado”, são meras engrenagens a serviço de uma instituição que a todos e tudo separa e isola. Sem conexões, sem “sinapses”, as informações nadam, nadam... e morrem na praia.

    Seu texto ainda renderia muitas observações e comentários, que espero um dia poder trocar contigo presencialmente! Por ora, reitero minhas congratulações ao seus anseios por pensar e compartilhar com o mundo um texto tão sincero e rico!

    Abraços, bons caminhos!

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    1. Prezado Raul,

      Não posso deixar de concordar com seus relato e ponto de vista, ontudo, minha intenção no texto acima, não foi tão somente enfatizar que o alunado deve ser superinterdisciplinar(acho que acabo de praticar um neologismo), sabendo todas as matérias de maneira exemplar. O que tento mostrar é que presencio algo nefasto.
      Você relata que, em sua vida escolar, se interessava por três conteúdos.Vejo numa turma de 40 alunos(o que infelizmente é normal no quadro atual)pelo menos cinco ou seis que sejam como você foi. O imediatismo, o fascínio pela internet, a visão deturpada de que deve se estudar para ter dinheiro(o que também é paradoxal, haja vista que jogadores de futebol tem saláros nababescos, por exemplo), a corrupção sendo proferida como característica própria de quem é "safo". inteligente e sagaz...

      Aprender pra quê? Esse é o discurso constante!

      Tenha certeza, estimado amigo, o sistema educacional e o modo como a escola funciona estão muitíssimo longe de constituírem um modo mais efetivo, entretanto, a sociedade(até mesmo através da mídia, infelizmente) prega que o mais interessante é ser alguém promissor não importando se você carrega consigo algum conteúdo moral ou cultural(científico ou não)

      Assim, como você o fez para comigo, eu respeito demais suas colocações enfatizando que a escola não tem atrativos e devemos discutir para que algo seja mudado.


      Mas quando?


      A educação é algo de forte emergência para sermos um país digno. A Alemanha conseguiu se estruturar, a médio prazo, no pós-guerra, investindo maciçamente em educação. E nós?

      Agradeço muito sua colaboração e acréscimo de experiências nessa postagem. O fato de nunca estarmos frente a frente, não impede de eu já saber que você é um excelente professor e indivíduo.

      Com continuada admiração, Cristiano Marcell.

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  6. Cristiano, sua explanação surgiu de sua indignidade frente a comportamentos observados. Respeito os professores, já fui um deles, mas não aceito essa forma que costumam utilizar, como se fossem vítimas. A cultura de um povo depende dessa classe, de seu amor à profissão, de seu idealismo. E os reais mestres não se colocam nessa posição.
    Quanto aos alunos, tenho que o incentivo ao descobrimento e o amor ao aprendizado decorrem da maneira como as matérias lhes são apresentadas. Um simples plano de aula não é suficiente para isso. Os professores (desculpe-me) são responsáveis, muitas das vezes, pela antipatia que alguns alunos sentem por certos assuntos. E para obterem notas, não conhecimento, eles se socorrem de trabalhos prontos obtidos via internet.
    O investimento na educação é fundamental. E reconheço que nossos governantes a tem deixado em plano secundário. Abraços

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    1. Prezada Marilene,

      não sei se você compreendeu bem o que foi escrito no texto acima. Minhas colocações não são nem de longe lamúrias ou reclamações.Posso me dar ao luxo de dizer que ganho relativamente bem. Não tenho o que reclamar e rechaço qualquer que faça isso.
      O que está sendo discutido é a posição do corpo discente com relação ao que se deve(ou o que se pretende) aprender. É lógico que a maneira com a qual o assunto é explanado faz o diferencial, no entanto, ninguém dá de comer a quem não quer abrir a boca!
      Quanto aos trabalhos apanhados na internet com intuito de conseguir nota, isso é aceito por professores que não têm compromisso com a profissão, assim como a antipatia exalada. Não podemos generalizar de forma alguma.
      Quanto ao idealismo que você diz que o professor deve ter, existe um porém! A sociedade construiu uma ideia de que se você é professor, então aceitou ser uma pessoa que deve trabalhar com condições precárias e com baixo salário.Senão, deve mudar de profissão.Não há como concordar com isso.Se a "cultura"(algo bem relativo diga-se de passagem) depende do magistério, nada mais justo do que sermos respeitados e bem remunerados.

      Mas a questão enfatizada não toca nesse cerne, apenas queria me colocar sobre algumas de suas palavras que, respeitosamente, não concordo!

      Muita paz!

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