FOLHA CULTURAL PATAXÓ

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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Canfranc: A voz e o silêncio (Jorge Pimenta)




































Canfranc: A voz e o silêncio
Autor: Jorge Pimenta
Jorge Pimenta é Escritor Português, Natural de Braga e Professor
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Poderia ser a fotografia de um filme de espionagem, rodado numa paisagem da alta montanha, onde o silêncio é o manto que liga a voz do passado à do presente. A bruma despe a vertigem e pousa, lentamente, na humidade do vale, onde um palácio de linhas clássicas se estende ao longo de mais de 200 metros de memórias, agora estilhaçadas como as janelas e as portas que lhe alimentam a sede de luz e cor. Em seu redor, trilhos ferroviários, composições abandonadas, pavilhões devolutos e maquinaria a apodrecer na humidade dos Pirenéus. Uma cidade fantasma, eis o que a gare e o grande hotel de Canfranc são, hoje. Ainda assim, das suas paredes escorre História, pactos secretos, negócios escuros que revolvem os bolsos de uma das fases mais hediondas da História da humanidade: o nazismo.
Já território espanhol, paredes-meias com a fronteira francesa, Canfranc foi, entre 1942 e 1945, sede de alguns dos movimentos mais secretos vividos em pleno conflito mundial. Para além de ponto estratégico para a mudança de bitola dos comboios espanhóis para os franceses, esta gare fotografou, ainda, durante o período da II Guerra Mundial, a vida quotidiana dos agentes secretos e militares alemães, registou ações de fuga de judeus clandestinos para Espanha, Portugal e além-mar, e testemunhou, inclusive, a evasão de nazis que procuravam escapar a um destino judicial certo logo após o termo do conflito bélico.
Ao tempo, Espanha gozava de um estatuto de pretensa parcialidade, ainda que o comprometimento com os alemães, poucos anos antes, na Guerra Civil Espanhola, onde se posicionaram ao lado de Franco, selando um estatuto dúbio. Foi ao ostentar essa capa de mentira que Canfranc funcionou como pivô de trocas comerciais entre Portugal-Espanha-Alemanha-Suíça, de entre as quais quase uma centena de toneladas de ouro nazi pilhado aos judeus que, um pouco por toda a Europa ocupada, agonizavam em campos de concentração. A presente alegação tornou-se tão mais legítima quanto se sabe, hoje, que foram os próprios alemães quem controlou a alfândega internacional de Canfranc durante o período da Guerra; acrescem os documentos encontrados por Jonathan Diaz, na gare, em 2002, entretanto divulgados, e que reiteram a tese da rota do ouro em Canfranc: toneladas de ouro nazi chegavam a Canfranc por comboio, provenientes da Alemanha, da Holanda e da Bélgica, com destino a Espanha e Portugal, que ora os compravam, ora os recebiam em troca de favores que alimentavam a máquina de guerra nazi (por exemplo, o envio espanhol de volfrâmio extraído de minhas galegas, matéria indispensável para a defesa dos tanques alemães); daí eram dispostos em camiões que levariam a mercadoria até Madrid e Lisboa.
Mais de 60 anos volvidos sobre o frenesim militar, pautado pelo secretismo e glamour, a gare e o hotel de Canfranc fecharam a boca para sempre. Já não há militares, movimentações ferroviárias, jantares festivos no grande hotel, ou documentos secretos guardados nas gavetas; apenas o esqueleto, bem vivo, do que restou de toda a operação da vergonha e que os historiadores, os caçadores de fotografias ou os mais curiosos perseguem como um tesouro a não desperdiçar. Até porque há silêncios que dizem e os lugares, esses, respiram bem para além da sua materialidade.

FONTE:  BLOG: VIAGENS DE LUZ E SOMBRAS

5 comentários:

  1. caro amigo,
    este lugar, mesmo que moribundo, tem alma, coração e pulmões que respiram, ainda, para lá do tempo e da vergonha.
    vivi em canfranc uma das experiências silenciosas mais arrepiantes da minha existência.

    abraço!

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  2. Conheci o maravilhoso texto no blog do Jorge, que merece, sempre, meus aplausos. Bjs.

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  3. Lindo texto poeta.
    Feliz Domingo beijos.
    Evanir.

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  4. Olá Arnoldo querido,
    Um texto impactante, que narra os horrores da guerra, quando tantas coisas ficaram enclausuradas nestas fantasmagóricas imagens que você nos traz do blog de nosso amigo Jorge.
    Incrível que um dia tudo isso aconteceu, nos deixando tristes traços de momentos tão amargos e horrendos da História da humanidade.
    Um grande beijo, amigo.
    Maria Paraguassu.

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  5. Arnoldo,
    vi as imagens e li o texto do Jorge lá no blog dele, mas o mais interessante é que vendo e lendo aqui de novo, surtiu o mesmo efeito, incrível isso!
    Grande abraço!

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