Abre o pano. A rainha Hécuba está no palco arrasada diante das ruínas de Tróia, destruída pelos gregos. Isso me arrasa também, pois da platéia lembro-me de eu menino, com 5 anos de idade, quando minha mãe me levou no Tivoly Park. Quando estava no cavalinho um fotógrafo bonachão com barba e bigode fartos e brancos parecendo um Papai Noel gostou de mim e tirou uma foto minha. Qual o adulto que não se apaixona por um garotinho rechonchudinho, gordinho e carismático? Só que minha mãe não tinha dinheiro para pagar a foto. E infelizmente fui embora para casa sem aquela memória maravilhosa de um inesquecível momento de minha vida.
Volto a platéia do teatro e vejo Hécuba tomar uma porrada atrás da outra através das notícias do mensageiro. A filha Policena que terá de ser sacrificada no túmulo de Aquiles; a outra filha louca Cassandra que terá de ser sacrificada em honra ao deus Apolo, o netinho recém-nascido, filho de Heitor que será atirado do alto das muralhas de Tróia para não correr o risco de crescer e vingar os seus e a coitada não pode fazer nada. Eu também não pude fazer nada pelos textos infantis que escrevi ainda menino das minhas aventuras no Sítio do Picapau Amarelo onde eu aprontava mil e umas com a Emília, o Pedrinho, a Narizinho e o Visconde de Sabugosa. Eu escrevia tudo num caderno inspirado no programa que mais mexia com a minha cabeça. Mas o caderno se perdeu na poeira do tempo.
Volto novamente à platéia do teatro e vejo Hécuba se lamentar com Zeus de seu infeliz infortúnio e seguir cativa dos gregos. Fecha o pano. Fim do espetáculo.
Vou ao camarim cumprimentar a atriz e qual é o seu assombro quando digo a ela:
- Liga não, Hécubinha. Isso já aconteceu comigo também.
Marcio Rufino
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